terça-feira, 12 de agosto de 2025

A Janela do Quarto Morto

 Havia semanas que a casa gemia. Não era um gemido que o vento pudesse justificar — havia nele uma cadência irregular, como um suspiro contido por séculos. Eu o ouvia sempre ao cair da noite, quando as sombras dos móveis se alongavam, arranhando o chão como dedos deformados.

Meu quarto ficava no andar superior, e a única janela dava para o jardim abandonado. Desde a primeira noite, notei que, na escuridão, algo se movia ali fora — não como um homem ou um animal, mas como uma presença que não aceitava ser vista por completo. Ainda assim, eu sentia… seus olhos.

As tábuas do assoalho rangiam sob meus pés quando, certa madrugada, decidi olhar diretamente para a janela. E ali estava — um rosto. Pálido demais, fixo demais. Não piscava. Os lábios, finos como um corte, tremiam quase imperceptivelmente, e ao redor deles havia uma mancha escura que não era sombra.

Acordei na manhã seguinte com a janela fechada e trancada por dentro. Jurei que não havia tocado nela. Mas o chão… ah, o chão guardava as marcas. Passos pequenos, desiguais, que vinham de dentro do quarto e paravam diante do vidro.

Desde então, não durmo mais. Não por medo de ver o rosto outra vez… mas pelo receio de vê-lo do lado de dentro.


domingo, 10 de agosto de 2025

Amanhecer

 Hoje me deu vontade de rasgar o dia com as unhas.

Não pela raiva, mas pela fome.

Fome de algo que não sei nomear, mas que reconheceria no instante em que tocasse minha pele.

Ando cansada dessa delicadeza ensaiada, dessa postura que sorri para não assustar.

Eu não nasci para caber na mão de ninguém.

Quero ser incêndio. Quero ser o risco que se corre ao acender o fósforo.

As pessoas gostam de pensar que me entendem. É quase engraçado — o que elas veem é o contorno, não o sangue que pulsa.

E eu deixo.

Porque o que é meu de verdade não é para ser explicado, é para ser sentido.

Ou queimado.

Hoje decidi que não vou mais pedir licença para existir.

Se for para entrar, que eu arrombe.

E se for para ficar, que eu ocupe até transbordar.

domingo, 3 de agosto de 2025

“Metade dela, metade ele”

 Ela era o caos bonito.

Vinha com o cabelo bagunçado e os pensamentos em desalinho, como quem mora numa ventania e aprendeu a dançar com os cacos do próprio excesso.

Ele era a paz disfarçada de rotina.

Despertava cedo, dobrava a toalha, media a água do café como se fosse fórmula mágica pro mundo não desabar.


Ela era de rir alto, chorar sozinha e beijar com a alma.

Ele era de silêncios longos, suspiros tímidos e mãos que seguravam mais do que diziam.

Ela falava com os olhos, gritava com o corpo, sumia pra se encontrar.

Ele ficava. Ficava até quando tudo mandava ir.


Ela era tempestade.

Ele, o abrigo.

E ninguém entendia como aquilo dava certo.

Nem eles.

Ela dizia: "você é morno, eu sou incêndio."

Ele respondia: "e mesmo assim você vem se queimar em mim toda noite."

Ela precisava da fuga.

Ele, do retorno.

Mas no fim, tinham um acordo secreto: se encontravam no meio do caminho.

Naquela zona de guerra travestida de ternura.

Naquele amor que não era fácil, mas era inteiro.


Eles não se encaixavam.

Se acolhiam.


Ela era exagero.

Ele, limite.

Mas havia um lugar onde os opostos não se repeliam.

Se reconheciam.


E se amavam...

— cada um, à sua maneira.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

"Pele, desejo e a liberdade de ser"

Sempre achei curioso como o mundo tenta ditar o quanto uma mulher pode ou não sentir. Como se o desejo fosse uma roupa apertada demais que a gente só usa escondido.

Mas eu nunca fui de vestir o que não me cabe.

Eu sinto — e sinto muito.

Na pele, no olhar, no toque que quase acontece. No arrepio que não pede licença. Meu desejo não é um capricho; é uma extensão do que sou. Uma mulher inteira, sem medo de dizer que gosta, que quer, que se entrega.

Não preciso ser a mocinha que espera. Nem a vilã que seduz só por jogo. Sou quem vive — de verdade — as minhas vontades.

Não sou vulgar por querer. Sou livre.

E quem ainda confunde uma mulher livre com uma mulher vulgar, talvez nunca tenha conhecido uma mulher de verdade.

Tenho um corpo que pulsa, uma mente que explora, e um coração que não se reprime. Meu desejo não me diminui — me expande.

Não busco aprovação. Busco conexão.

Comigo. Com o outro. Com a vida.

Porque no fim, ser mulher é isso:

Sentir sem pedir desculpas.

Desejar sem se esconder.

E viver… inteira.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Um Ser Invisível

Essa daí todo dia passa correndo. Acho que os 5 minutinhos ficaram meio longos. Ah, aquele homem e aquela mulher sempre estão discutindo, devem ter muitas questões a resolver. Caramba, todo dia esse ônibus tá lotado, aliás, acho que está cada dia mais cheio, talvez seja um multiplicador de pessoas.
Eiii, você quase pisou em mim!!
Todo dia, toda noite, hora após hora, vejo as mesmas pessoas, as vezes acompanho algumas histórias, as vezes fico sem saber qual foi o fim. Vejo todo mundo, já até vi uma pequena pessoa se tornar adulto. Mas ninguém me vê...
Passou uma moça em um carro me encarando, acenei com a cabeça cumprimentando, e ela se foi.
Continuei aqui, esperando mais olhares de desprezo, nesse cantinho da praça onde só os respingos da chuva prestam atenção em mim.
Esperai aí, aquele moço jogou metade de um pão fora, vou lá pegar e comer meu banquete, vai saber quando vou achar um tesouro como esse outra vez.


A Janela do Quarto Morto

 Havia semanas que a casa gemia. Não era um gemido que o vento pudesse justificar — havia nele uma cadência irregular, como um suspiro conti...